Virgílio de Paula e Silva nasceu em 25 de setembro de 1872 em Santo Antonio do Imbé, 3º Distrito de Santa Maria Madalena. Do local onde nasceu, guardava carinhosamente a imagem: “apesar de ser bem velho já, ainda lembro nitidamente de que nasci num grande sertão de uma majestade sem par, num vale montanhoso, encantador e belo. Que riqueza natural apreciava-se ali! Que quantidade de aves tão lindas e de tantas variedades! Mutuns, pavões do mato, jacutingas, macucos, urus, inhambu-açus e uma infinidade de aves de variedade sem conta, ali viviam numa alegria infindável. Que florestas majestosas, de árvores gigantescas, centenárias e formosas e como era grandioso e feliz aquele ambiente!”
Desencarnou aos 87 anos, na manhã do dia 06 de fevereiro de 1960, deixando por escrito: “Se houver alguém que chore por mim, peço que o faça o menos possível, pois deve ter consciência de que só o meu corpo foi que morreu e este mesmo não se aniquilará apenas transformar-se-á...”
*****
*****
Virgílio Paula fora o primeiro presidente de nossa Escola Jesus Cristo. Em crescimento constante, desdobrando-se em diversas atividades e recebendo em seu seio crianças, jovens e velhos, todos elegemos a figura ímpar desse ancião bondoso e sábio para presidente de nossa instituição, quando adquiriu ela personalidade jurídica.
(...) Deixou exemplos e lições de valores e virtudes. Não se trata de panegírico: os grandes Espíritos não se dedignam de pisar em nosso mundo, em missões de beleza espiritual, bem o sabemos. Assim foi o nosso Virgílio. Não apenas pregou o bem. Viveu-o, muito mais que o pregou.
(...) São de Capistrano estas palavras escritas a Luís Sombra, em 1910: “Há muitos meios de ser feliz, mas todos reduzem-se a um único: obedecer aos ditames da consciência, principalmente com sacrifício.”
Eis porque podemos dizer que Virgílio Paula foi feliz. Lutou, com coragem. Sofreu, sem queixas. Viveu os mais diversos ministérios do bem-fazer aos sofredores e aos pequeninos.
Amou, padeceu, ensinou, medicou, defendeu, construiu, plantou, dirigiu, pastoreou... Parodiando Capistrano, podemos dizer que todos esses verbos se reduzem a um único: exemplificou! E com sacrifício!
Foi um herói, mas nunca o soube nem nunca pensaria nisso: ele era suficientemente humilde.
E humildemente viveu com seu Evangelho, com sua família, com suas crianças, com a homeopatia para seus pobrezinhos... E com seus amigos, com sua enxada, com seu violino...
(...) Assim Foi Virgílio Paula: um sincero Discípulo de Cristo, que descobriu o Reino de Deus no próprio coração.
E nesse Reino viveu e vive, Deus louvado.
Clóvis Tavares
(Livro: De Jesus Para os que Sofrem)
*****
Alguém de que não me esqueço
Há uns cinco anos não o vejo.
É alguém de quem não me esqueço, nem facilmente o esquece quem o vir e o conhecer bem.
Chamam-no, quase todos, Vovô Virgílio.
Conheci-o, menina ainda. Era avô de Iara, uma colega do Grupo Escolar, e aprendi a chamá-lo vovô, também.
Lembro-me de como estimei-o desde o primeiro dia: criança gulosa, gostei mais dele que das rosquinhas saborosas que sua esposa me ofereceu.
Já era velho, calvo, de barbas brancas, aparadas talvez no mesmo corte de quando eram negras; a pele rosada e quase sem rugas, lábios finos e olhos azuis, muito azuis.
Sua figura toda a irradiar bondade e paz assemelha-se agora, para mim, a um patriarca hebreu.
Amava as crianças, os pássaros e as árvores, a música e os livros.
Sua casa foi sempre cheia de crianças de sua família, pequeninos que ele adotava e meninos da vizinhança.
As frutas de seu pomar pareciam-nos mais doces; tinham em casa, com os filhos, uma pequenina orquestra e seus livros e revistas pertenciam-nos, também.
Amava-nos a todos que lá íamos e nos acostumamos a visitá-lo.
Trabalhava no escritório de uma usina e, aposentando-se, foi morar numa fazenda.
Hoje está muito velho – tem quase noventa anos.Quem o vir, porém, reunir os moços do lugar e com eles formar uma orquestra, familiarizando-os com Mozart e Schubert; quem o vir alfabetizando os “molequinhos” da roça, descendo o morro aos domingos para dar aula de Evangelho a crianças, jovens e adultos; quem o vir visitando enfermos, levando-lhes os frutos de seu pomar e a bondade de seu coração, não entenderá onde encontra forças aquele corpo de ancião.Que alma de jovem, incansável, realmente idealista!
Nenhuma tristeza inesperada o abateu, nenhuma ingratidão o decepcionou.
Morreu-lhe a esposa há meses. “Deus me deu, Deus me tirou, bendito seja o nome de Deus” – deveria ter pensado. E ali, junto ao caixão da companheira, recordou a coincidência de haver sido aquela mesma sala o local em que a vira pela primeira vez.
Conservava na alma, ainda, a poesia , a delicadeza da amizade dos primeiros tempos.
Sereno, continua ele a cuidar das crianças, da música, das árvores.
Sempre está lendo um novo livro e, pela manhã, os passarinhos pousam em seu ombro e comem migalhas em suas mãos.
Penso em Vovô Virgílio e não posso deixar de assemelhá-lo àquelas árvores de que fala Olavo Bilac:
Ele envelheceu “como as árvores fortes envelhecem: Na glória da alegria e da bondade, agasalhando os pássaros nos ramos, dando sombra e consolo aos que padecem.”
Maria Zenith Pessanha
*****